CAPÍTULO 2: CIDADE

A humanidade se multiplicou a partir de Adão e Eva e se espalhou por toda a face da terra, mas não estavam mais a serviço do Criador e não trabalhavam mais na missão de espalhar sua glória por toda a terra. Lembrem-se que o ser humano ainda é a imagem e semelhança de Deus, ainda que seja uma imagem manchada. Assim, uma das características de Deus, a criatividade e inventividade ainda funcionam dentro dos homens caídos. Se a humanidade não busca mais estabelecer os planos de Deus, o que ela passa a fazer é justamente estabelecer um projeto social, político e religioso que satisfaz seus desejos próprios. A partir do conhecimento que tem do bem e do mal, o ser humano utiliza o que aprendeu de Deus e do jardim (o bem) e passa a replica-lo de forma adaptada e distorcida para fazer o que bem quiser (o mal). Isso é o que se chama de “apostasia”, ou seja, o abandono, o desvio. Novamente, abandonar a Deus não significa ser ateu, mas criar novos deuses a partir de sua própria noção de divindade e, a partir disso, novos cultos. É justamente por isso que as religiões antigas tem ícones e ídolos (esculturas) para serem adorados. Animais, astros do céu, e fenômenos como a chuva oferecem uma relação de culto muito mais proveitosa ao homem que é autocentrado e egoísta. Adorar ao deus do sol, da colheita e da fertilidade garante que todo o nosso penoso trabalho nesse mundo seja abençoado, pensa o homem caído.

Mas a religião não foi a única coisa reinventada pela apostasia. Com essas novas formas de relação religiosa vieram as novas formas de relação familiar. Aqui adentram à esfera sagrada da família diversas deturpações do plano divino: o adultério, a poligamia, a homossexualidade e a zoofilia. O modelo de Deus é simples e gracioso: homem, mulher, filhos. O modelo do homem é confuso e indefinido; envolve mais pessoas, as vezes um único marido que domina várias mulheres, ou homens que se relacionam entre si por considerarem mulheres impuras em si mesmas[1], ou mesmo, que se relacionam com animais. Enfim, a deturpação da família e das relações humanas nesse nível sagrado é consequência direta da apostasia, isto é, do processo de recriação do homem caído.

Novas religiões, novas relações familiares e, por fim, novas organizações sociais. Se o jardim era a forma padrão das cosmogonias — ou seja, de como tudo havia começado — surgia agora um modelo pensado pelo homem caído para superar o jardim. Esse modelo é a cidade. Aquilo que chamamos de cidade hoje, ou seja, o centro urbano que serve de sede ao poder oficial (estado/religião) surge nesse contexto histórico de Gênesis. É curioso para nós hoje[2] imaginar que naquele tempo poucas pessoas moravam nas cidades. A cidade não era um lugar de habitação e moradia. A cidade geralmente era murada e fortemente guardada. A cidade era acessada apenas pela elite social do estado e da religião. Os pobres apenas a acessavam para comercializar seus produtos. Entravam e saíam. As cidades, portanto, se tornaram fortalezas que recebem os ricos, os poderosos, os sacerdotes que oferecem sacrifícios aos deuses. Não poderia ser mais diferente do jardim, aquele mundo onde toda a família interagia em amor, respeito, harmonia e comunhão com Deus.

O pior é que sempre dá para piorar. Não satisfeitos com esse modelo, o homem apóstata queria mais. A bíblia narra em Gênesis 11 a história da Torre de Babel. A história conta que havia uma única língua (idioma) no mundo e que isso fez com que certas pessoas se juntassem e fizessem uma trama: “vamos construir uma torre fazer o nosso nome ser grande. Vamos fazer essa torre tão grande que alcance o céu e o próprio Deus” (Gn 11:4). É interessante saber que uma narrativa como essa não aparece apenas na bíblia. Há mitos antigos em outras culturas orientais antigas sobre isso[3]. A humanidade, uma só língua e seu plano maligno de derrubar Deus do seu trono e estabelecer o seu nome. Muitos estudiosos concordam que essas torres eram os chamados Zigurates. Eram torres altas que serviam de edifício de adoração. No topo do zigurate os sacerdotes ofereciam sacrifícios. Ninguém podia subir senão os sacerdotes. Babel, então, seria o maior zigurate já feito, com a tentativa de unificar toda a humanidade em uma espécie de império. O plano era criar um reino tão grande que toda a humanidade estaria submissa ali e o único poder divino seria o deles. Nem Deus poderia se levantar contra eles. As culturas humanas seriam unificadas assim como a língua.

É então que Deus visualiza esse projeto diabólico, prevê suas consequências desastrosas para criação e para a humanidade e resolve pôr um fim em tudo. Deus desce e promove uma confusão de línguas. De repente os diversos povos envolvidos nessa construção começam a falar idiomas diferentes, de forma que passaram a não mais se entender entre si. Aquele império unificador e dominador não foi concluído. Entretanto essa sede e esse desejo apóstata seguiu na humanidade. Os babilônicos[4], os assírios, os gregos, os romanos, os jihadistas, os nazistas e os pós-modernos, todos tiveram ou tem a esperança de concretizar babel e acabar com a diversidade e a pluralidade [5]. A solução de Deus para esse projeto unificador e dominador foi mais diversidade ainda; diversidade de línguas. Novas culturas surgiram, novas cidades, novos povos. De certa forma a bagunça aumenta. Os povos passam a se tornar inimigos uns dos outros. A confusão de línguas leva a mais guerras. Contudo, isso não pode ser colocado como culpa de Deus. A inimizade entre os seres humanos é fruto da queda e da falta de comunhão com Deus. Apesar da bagunça, a Bíblia nos convida a olhar para essa diversidade como algo bom, pois a diversidade também é resultado da criatividade que ainda opera nas culturas humanas que, apesar da queda, ainda conservam a imagem de Deus. Deus saberá usar isso ao seu favor no tempo certo, para que o seu jardim seja bem colorido.

Na verdade, se tem algo que Deus faz ao longo de toda a narrativa de Gênesis 3 a 11 é preservar, no meio de toda bagunça, uma genealogia, uma espécie de semente que foi plantada no jardim do Éden e persiste apesar dos espinhos, cardos e abrolhos. Ao longo da narrativa de Gênesis existem pessoas como Sete (o terceiro filho de Adão e Eva), Enoque e Noé que guardaram a verdadeira religião, adorando e obedecendo ao verdadeiro criador. É por meio de pessoas como essas que Deus faz a história do jardim persistir em meio às cidades humanas cheias de maldade e injustiça. Injustiça que, aliás, só cresce a ponto de Deus voltar atrás e recomeçar o projeto. Em meio a uma geração de homens perversos ao extremo Deus olhou do céu e viu Noé como o único que valia a pena. Imaginem o nível da desgraça. Deus então decide recomeçar e enviar uma catástrofe global; o dilúvio. Nosso Deus é o criador de tudo e isso lhe dá direito sobre tudo o que existe; direito inclusive de destruir. Não é muito o seu perfil fazer isso, Ele gosta mais de criar, mas quando necessário ele age assim. Todos conhecem a história. Noé, o jardineiro, salvou sua família e um par de animais de cada espécie que havia. O mundo antigo já era, mas Deus estava preparando algo novo.

Apesar de o paraíso do jardim estar perdido no passado, esses homens (como Noé) e suas famílias parecem apontar para a continuidade dos planos de Deus. O SENHOR ainda quer fazer algo nesse mundo, mas todo o processo parece se desenvolver lenta e dolorosamente de forma que a gente não consegue ver muito bem como que isso tudo nos levará de volta ao jardim. Deus sempre quis que toda a humanidade fosse dele, mas, por hora, trabalhar a partir de uma pessoa, de uma família, de uma tribo, de uma etnia, de uma nação, são etapas necessárias para chegar até o universo todo. Lembrem-se, nosso Deus não estala os dedos. Ele arregaça as mangas. Ele trabalha, ele cultiva. Ele vai chegar de Noé até o universo todo. Tudo que temos até aqui é o arco-íris apontando a aliança de Deus com a família de Noé. Essa aliança segue na família por meio de um dos filhos de Noé, Sem[6] e, muito depois, em um de seus descendentes chamado Abrão. Em meio a toda a bagunça da apostasia e das cidades cheias de idolatria e violência, Deus escolheu uma família. Como se fosse um raminho de planta brotando no meio de um tronco cortado. Lembrem-se dessa imagem.

A história de Abrão — que veio a ser Abraão[7] — também é conhecida. Ele foi chamado a sair de sua terra, do meio de sua família e ir para um lugar que ele não sabia qual era (Gn 12:1–9). Abraão mora em Ur dos Caldeus na mesopotâmia. Ele talvez conhecia o Deus de Noé, seu antepassado, mas talvez ali no meio dos caldeus ele já tivesse aceitado uma vida com outros deuses sendo adorado. Talvez ele já tivesse esquecido o projeto de restauração que começou com Noé. É por isso que o chamado de Deus pra ele é radical. Deus pede que ele abandone a sua terra, sua casa e seus parentes. Na verdade, Deus está pedindo que ele abandone tudo. A terra e a família são as coisas mais importantes do mundo antigo. É a terra, a família e a divindade que formam a comunidade. Esse Deus que nem se apresenta direito chega e chama Abraão.

Há basicamente duas promessas que Deus faz para Abrão: uma descendência incontável de tão numerosa e uma terra abundante para morar, isto é, Canaã. Essas promessas não significam apenas que Deus irá recompensar Abrão com riqueza. Deus está tirando Abrão de uma família para lhe dar outra. Deus está tirando Abrão de uma terra para lhe dar outra. Deus está separando esse sujeito. Tenham em mente algo muito importante aqui: na bíblia e na mentalidade hebraica a ideia de separar é muito profunda. Aquilo que é separado por Deus ou para Deus é santo. O santificar e consagrar é um ato de separação. As promessas de Deus a Abrão são, portanto, são uma forma de Deus “abençoar todas as nações da terra por meio de ti” (Gn 12:3). Sim. Deus está retomando o plano original. Ele de novo quer ver a fecundidade das pessoas que ele chamou para se relacionar com Ele (Abraão e Sara). Ele de novo dá uma terra fértil e boa para esse povo (Canaã) e, mais uma vez, promete que a benção dessa família e dessa terra seria tão, mas tão grande que iria se espalhar por toda a terra. A terra se encheria da glória de Deus como as águas cobrem o mar e isso aconteceria por meio de Abraão e sua família.

Todos sabemos que Deus dá essas promessas a um homem que está longe de ser perfeito. Abraão tem muitas falhas, assim como Sara. Não apenas falhas morais, mas físicas. Eles estão envelhecendo (morrendo). Sara é infértil, ela não pode gerar filhos. Como pode ser essa família defeituosa a responsável por restaurar o jardim? Deus está ciente do problema e está a todo tempo demonstrando que os planos são dEle e que cabe a Ele executa-los com sucesso. Abraão é um homem cheio de falhas, mas ele também é um homem cheio de fé. Gênesis diz “Abrão creu no SENHOR, e assim foi considerado justo” (Gn 15:6). Crer na palavra, no caráter e na fidelidade de Deus tornava Abrão um homem justo. Ele também era um homem muito sincero. Apesar de ter fé ele também tem sua insegurança e ele não esconde isso, mas diz a Deus “Ó Senhor Soberano, como posso ter certeza de que a possuirei de fato [a terra]?” (Gn 15:8). Deus, sendo paciente, aceita fazer um compromisso para deixar Abrão mais tranquilo. Esse compromisso em nossas bíblias em português se chama “aliança”.

Antes de falar do que foi essa aliança em si, precisamos entender o que é uma aliança em termos bíblicos. Quando Gênesis fala em aliança pode ser que os leitores modernos pensem em um anel dourado e, assim, imaginem que Abraão e Deus estão fazendo um compromisso entre si. Isso, de certa forma, até está certo, mas falta muita coisa. Gênesis é uma obra de literatura do oriente antigo. Quando alguém daquele tempo lia Gênesis e via a palavra aliança (b’rit) jamais pensaria em anéis, mas sim em um ritual de compromisso entre duas pessoas que geralmente envolvia corte de animais ao meio. Gênesis 15 narra esse ritual, vale a pena dar uma olhada:

O Senhor respondeu: “Traga-me uma novilha, uma cabra e um carneiro, todos com três anos, mais uma rolinha e um pombinho”. Abrão lhe apresentou todos esses animais e os matou. Em seguida, cortou cada um deles ao meio e colocou as metades lado a lado; as aves, porém, não cortou ao meio. Aves de rapina mergulharam para comer as carcaças, mas Abrão as afugentou. Enquanto o sol se punha, Abrão caiu em sono profundo, e uma escuridão apavorante desceu sobre ele. Então o Senhor disse a Abrão: “Esteja certo de que seus descendentes serão forasteiros em terra alheia, onde sofrerão opressão como escravos por quatrocentos anos. Mas eu castigarei a nação que os escravizar e, por fim, eles sairão de lá com grande riqueza. (Você, por sua vez, morrerá em paz e será sepultado em idade avançada.) Depois de quatro gerações, seus descendentes voltarão a esta terra, pois a maldade dos amorreus ainda não chegou ao ponto de provocar meu castigo”. Quando o sol se pôs e veio a escuridão, Abrão viu um fogareiro fumegante e uma tocha ardente passarem por entre as metades das carcaças. Então o Senhor fez uma aliança com Abrão naquele dia Gênesis 15:9–18

Repararam o ritual? Deus ordena Abraão a apresentar animais para o ritual. Abraão faz os cortes (bat’ter, em hebraico). Agora, os dois deveriam caminhar de mãos dadas entre as partes cortadas selando o rito de corte, o compromisso/aliança (b’rit). O texto diz que Deus “fez um corte” com Abraão. Naquele tempo era assim que pessoas firmavam um compromisso, com um corte[8]. O significado simbólico disso era que, qualquer um dos dois que não cumprisse sua parte no compromisso seria cortado ao meio como aconteceu com aqueles animais. No entanto, em Gênesis 15 Abraão dorme no ponto, literalmente. Ele pega no sono, e Deus aparece como um monte de fogo e passa sozinho entre os animais cortados. É uma forma de o SENHOR dizer: Abraão, eu fiz o corte contigo sozinho. Enquanto tu dormias eu passei lá e me comprometi sozinho. Pode deixar comigo! Eu irei cumprir com o compromisso.

Mas essa não foi a única vez que Deus fez isso. Depois disso, Deus institui o Ritual da Circuncisão, ou seja, um outro corte, dessa vez, no corpo do próprio Abraão (Gn 17:9–14). A circuncisão é um costume que já existia no oriente antigo. Os hititas circuncidavam bebês de sete dias de nascidos. Mas, de acordo com a palavra de Deus, Abraão deveria cortar a pele do seu prepúcio e de todos os homens sob sua responsabilidade como símbolo de separação e como forma de coloca-los debaixo da aliança (corte). Um corte na carne dos homens (Gn 17) simboliza aquele corte que foi Deus quem fez sozinho (Gn 15). Enquanto quem garante o compromisso é Deus, nós apenas precisamos carregar a marca que nos lembra desse compromisso.

Mas houve mais uma ocasião envolvendo corte que foi tensa na vida de Abraão. Como eu disse, Abrão e Sara não podiam ter filhos. Deus então promete um filho. Sara não crê e ri. Deus dá o nome de Sorriso ao menino (Isaque). Ela fica alegre com a gravidez improvável e ri de alegria, confirmando o nome. Quando esse menino milagroso tinha uns doze anos Deus pede para Abraão mata-lo como um sacrifício. Abraão vai e obedece. Ele leva o menino até o Monte Moriá, monta um altar de pedras, amarra seu filho como se fosse um animal e prepara o cutelo/faca para fazer o corte. Sim, ele vai fazer um corte na garganta do rapaz, como todo sacrifício era feito. Mas na hora H, em que iria descer a faca, Deus faz aparecer (do nada) um cordeiro, um animal a ser sacrificado em lugar de Isaque. Novamente, teólogos apontam para a presença profética de Jesus aqui. Ele é o cordeiro cortado e morto no lugar de Isaque. Isaque aqui representa a promessa, o descendente de Abraão que fará sua geração ser inumerável como as estrelas no céu.

Em resumo, o que Deus está mostrando com tudo isso é que A Aliança depende dEle. O corte na pele do prepúcio de Abraão é um símbolo. O importante é a fé na fidelidade e no caráter de Deus. Na hora da aliança só Deus passou entre os animais cortados. Quem fez a gravidez milagrosa de Sara ser possível foi Deus. Quem fez o cordeiro aparecer para ser sacrificado no lugar de Isaque foi Deus. E qual foi o papel de Abraão em meio a tudo isso? Apenas ter fé. Mas veja, fé é um outro conceito da bíblia que muitas vezes é mal compreendido. A gente usa fé no dia-a-dia como uma espécie de desejo positivo: “eu tenho fé que isso vai dar certo”, como que dizendo “eu quero muito que isso dê certo”. Não é isso que é fé aqui em Gêneses. Quando a Bíblia diz que Abraão teve fé significa que ele confiou na palavra de Deus. Ele depositou sua confiança na fidelidade do SENHOR. Ter fé é descansar na certeza de que quem está prometendo algo é poderoso, fiel e justo para cumprir. A justiça de Abraão, portanto, foi confiar na justiça de Deus. Ele foi justificado porque confiou em quem não mente ao invés de confiar em si mesmo, nos outros humanos ou nas circunstâncias. Assim, a restauração do jardim e do projeto de Deus é possível por meio do pobre Abraão porque ele confia em um Deus fiel. A ideia é que enquanto houverem homens como Abraão — imperfeitos, porem crentes — Deus estará agindo no mundo.

Os homens que Deus usa são tão falhos que, muitas vezes, olhamos mais para as falhas deles do que para o Deus em quem eles confiavam. Isso faz com que o projeto de restauração de Deus seja quase invisível para a gente. Nós somos inquietos e incrédulos. Não gostamos da sutileza, calma e beleza com que Deus age. Queremos grandes eventos — e ele faz vários desses. Queremos monumentos como a torre de Babel, queremos a vida inquieta e acelerada das grandes cidades. Não imaginamos nossa vida na calmaria de uma fazenda cultivando legumes, pequenas sementes, e esperando que elas cresçam. Nós preferimos o nosso jeito urbano de ser: apertar 5 botões no celular e receber em 5 minutos na porta de casa um entregador delivery com uma comida totalmente processada e a qual você não faz a menor ideia da procedência. Entretanto, precisamos aprender a ver Deus como jardineiro, paciente e bondoso. Deus está agindo por meio de casos como o casamento de Isaque com Rebeca e por meio da transformação do filho deles, Jacó, — aquele que agarra os tornozelos e engana — em Israel — aquele que luta com Deus para obter algo em seu favor. É fácil se deixar assustar com a quantidade de falhas de Jacó. O difícil, e o que precisamos exercitar, é apreciar a beleza do Israel que se curva perante Esaú, o irmão a quem traiu, implorando misericórdia. Não deveria nos causar tanta estranheza a infidelidade de Jacó, visto sermos nós mesmos pessoas tão infiéis. Deveríamos, sim, nos maravilhar com Israel que ao saber que morreria no Egito bateu o pé e disse aos seus filhos: “quando vocês entrarem na terra prometida levem meus ossos para enterra-los lá”. Podemos até estar vivendo em meio às cidades loucas dos dias atuais, mas precisamos estar com nossas mentes no jardim. É o plano eterno de Deus. Ele não desistiu. E quanto a nós?

Sete, Enoque, Noé, Abrão, Isaque, Jacó, José e muitos outros, apesar de falhos e problemáticos eram pessoas que entendiam seu chamado. Eles não foram chamados para viver na falsa segurança de uma cidade murada. Eles não foram chamados para viver olhando para um zigurate, oferecendo sacrifícios a deuses criados por suas imaginações. Eles foram chamados para crescer, se multiplicar e para tomar posse da terra prometida, mesmo que isso significasse vagar pelos desertos inseguros, expostos ao sol e ao perigo, por anos e anos até chegar o dia do cumprimento da promessa. Eles foram chamados não para construir muralhas e torres para defender a cidade dos homens, mas o Reino de Deus e isso começa com eles cultivando uma terra que ainda iriam receber. Até lá, a família dos homens escolhidos por Deus precisa crer e confiar no Deus fiel que os chamou. Enquanto as outras famílias da terra seguem construindo cidades e zigurates tentando agradar falsos deuses, Israel, a descendência de Abraão, apenas confia em Deus, em promessas, coisas que ainda não existem, coisas que parecem impossíveis. O povo de Israel é uma semente que Deus plantou para iniciar um novo jardim. Essa semente é muito pequena e cresce muito, muito devagar. Isso exige de nós que olhemos cada etapa desse desenvolvimento com muito, muito cuidado.

[1] É um padrão em culturas e sociedades antigas o status social da mulher ser inferior ao homem. Ela não tinha os mesmos direitos e nem a mesma dignidade do homem, mas isso não se deve ao modelo de Deus — no qual ambos eram cooperadores um do outro -, mas sim ao modelo pós queda, invenção do ser humano.

[2] Dados atuais (2021) informam que quase 60% de toda a população mundial vivem em cidades sendo que há pouco tempo (1960) esse percentual era de apenas 10%.

[3] Um exemplo é o mito Enmerkar e o Senhor de Aratta.

[4] Em outros capítulos iremos tornar a falar da babilônia como um modelo de império maligno em que o espírito da serpente governa.

[5] É interessante que os pós-modernos alegam serem defensores da diversidade, mas lutam para que todos concordem com sua norma geral “tudo é relativo”, de forma que não pode haver cultura com fundamentos objetivos e absolutos. Ou seja, a pós modernidade é uma espécie de império do nada, onde nada tem sentido real, onde tudo é apenas um conjunto de opiniões.

[6] É de Sem que vem o povo chamado Semita, do qual vem os Hebreus e, futuramente, os Israelitas e Judeus.

[7] A diferença no nome Abrão para Abraão é só uma letra “a”, mas no hebraico faz toda a diferença. Abrão deixa de ser apenas um “grande pai” e se torna Abraão, um “pai de multidões”.

[8] Acho engraçado que em inglês você pode dizer “ei, vamos fazer um trato” assim “lets cut a deal”. A palavra cut em inglês é cortar. Eles então falam “ei, vamos cortar um negócio”. Assim, o problema é divido (cortado) entre os dois que estão em aliança. Acredito que não tem relação com a tradição oriental de cortar animais, mas mesmo assim é interessante.

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Diego Montenegro

Esposo. Cristão Reformado. Mestre em Geografia e professor. Tentado a mostrar isso em palavras {1 Pedro 3:15}