COMO O EVANGELHO É O PRINCÍPIO BÁSICO PARA A CONSCIÊNCIA POLÍTICA DO CRISTÃO?

Diego Montenegro
7 min readOct 5, 2021

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Se Jesus entrasse na sua cidade montado em um jumentinho, você interpretaria aquilo como um desfile real? Para ver a nobreza daquela cena humilde é preciso conhecer a narrativa correta dessa história.

O caos político brasileiro se reflete na forma como os cristãos tem se engajado com os assuntos do dia a dia. Política, ideologia, economia, moralidade e etc. Infelizmente temos nos deparado com duas situações limitantes:
1) Os evangélicos se moldam às ideologias da polarização, esquerda ou direita. Na narrativa principal a direita vira a ideologia do bem (compatível com o cristianismo) e a esquerda seria a inimiga da igreja (incompatível).
2) Os evangélicos desistem da política, associam-na às coisas da terra e ao mundo “profano”, ao passo que as coisas do “céu” seriam o “sagrado” a que devemos atentar.

Eu penso que as duas posições estão equivocadas, pois:
1) Esquerda e direita são ideologias de espectro amplo. Ambas tem coisas boas e más. Há posições de esquerda e direita que vemos a bíblia defender. Cristãos não deveriam, ao meu ver, se limitar a esses rótulos. Se um crente pode ser direita, o outro pode ser de esquerda. Se não pode ser de um, não pode ser do outro. Se o crente pode ser de direita porque “seleciona” aquilo que tem de bom, o crente de esquerda também pode fazer isso.
2) Não acho que a solução pra essa confusão seja abandonar o engajamento e viver com a cabeça “no céu”. A militância da igreja nesse mundo é parte do mandato cultural. Esse mundo é de Deus e Ele o está preparando para restauração (recriação de novos céus e nova terra). Política envolve formas de cuidar do mundo de Deus. A igreja, portanto, deve educar seus membros a pensarem esse mundo biblicamente, o que não tem nada a ver com direita e esquerda.

Como então fugir dessas duas posições limitantes e limitadas?
Alguns pensadores já tem buscado filosoficamente isso. Elaboram pensamentos fundamentados essencialmente nas escrituras. Kuyper, Dooyeweerd, Schaeffer, só pra citar alguns. Mas não é nem disso que eu queria falar hoje. Eu queria falar de como o próprio evangelho e a história da redenção em Cristo é a narrativa política que DEVE orientar nos hoje e sempre. Pontuo a seguir algumas ideias:
1) Após à queda Deus inicia IMEDIATAMENTE o processo de restauração, logo, Adão, Abraão, Moisés, Davi, os Profetas e o Senhor Jesus são eleitos do SENHOR (Yawheh) nessa missão. O Messias (Mashiach), ungido de Deus, especialmente, concentra em si os ofícios de Rei, Sacerdote e Profeta do povo. Como Rei ele governa. Assim, o processo de restauração da realidade caída tem ESSENCIALMENTE uma dimensão POLÍTICA. Jesus é rei, mas durante a história muitos homens se apoderaram injustamente do poder que lhes foi dado. Deus concede poder derivado aos homens, nossos governantes, mas nenhum governo humano pode ser chamado de governo Cristão. O único governo Cristão que já é real é o governo da Igreja. Cristo JÁ GOVERNA, diretamente por meio da igreja. Enquanto isso, no mundo, os governantes tem exercido indiretamente o poder emprestado de Deus, mas isso terá um fim.
2) Na encarnação do Messias, Jesus de Nazaré, nosso Senhor, o Reino de Deus passa mais concretamente a ser estabelecido no mundo. Vemos isso na missão de Cristo, desde o nascimento virginal e das demais profecias que se cumprem até seu ministério inciado pelo anúncio e batismo de seu arauto, João Batista. O Messias tem seu governo legitimado ao passar pela aprovação na tentação no deserto e ao receber atestado positivo de seu Pai com a voz que veio do Céu. O Messias toma posse do seu poder expulsando demônios, dominando os elementos da natureza, curando e ressuscitando pessoas e resgatando ovelhas perdidas da casa de Israel. Na sua entrega, na sua morte e, sobretudo na sua ressurreição, Jesus o rei dos Judeus (ironicamente essa era a acusação criminal que constava acima de sua cabeça na cruz), torna-se o REI DO UNIVERSO de direito e DE FATO.
3) O Reino de Cristo não é DESSE MUNDO. Muitos que acompanharam a carreira do Rei dos Judeus esperavam que ao entrar em Jerusalém montado num jumento ele fosse pôr um fim nos reinos malignos, a começar pela dinastia ilegítima de Herodes que ocupava o palácio e daí, expulsando os invasores e opressores, os Romanos. Ao morrer na cruz, contudo, muitos se desiludiram e foram embora, como quase fizeram aqueles dois a caminho de Emaús. E por que esses dois voltaram? Porque o próprio Jesus lhes lembrou PELAS ESCRITURAS que Seu Reino é eterno. A restauração que o Messias veio cumprir não é de curto prazo, não se impõe por uma breve revolução violenta. Jesus precisava primeiro derrubar o maior de todos os inimigos, a MORTE! Ao ressuscitar foi isso que ele fez: derrotou a morte. A partir daí, a Igreja por meio do Espírito Santo que foi derramado em pentecostes tem a missão de expandir esse reino. Expandir o reino é levar nova vida aos que estão mortos espiritualmente. A história não anda mais para trás. É daqui em diante. O reino deverá avançar e nesse processo não sobrará NENHUMA liderança política que tem sua origem na morte, ou seja, na queda e no pecado. Logo, todo governo humano irá sumir, pois todos eles são reflexo do poder exercido por seres caídos em um mundo ainda sofrendo pelo pecado.
4) A ARMA do Reino de Deus é A PALAVRA. Como combatemos? Alguns dias antes de pentecostes, na sua ascensão, Cristo disse que agora todo o poder nos céus e na terra eram dele. Logo, se ele quisesse poderia ter feito do Cristianismo uma milícia armada. Poderia ter nos ter organizado como um estado rebelde que não reconhece os falsos reis, os rivais ilegítimos. Ao contrário, ao dizer que tinha todo o poder, a ordem dada pelo Nosso Senhor Jesus foi que os apóstolos PREGASSEM A PALAVRA e fizessem discípulos. A imposição da fé JAMAIS deveria ser uma opção para nós. Logo, a política para nós Cristãos não é sobre como o Estado irá nos dar uma forcinha nas pautas eclesiásticas. Não!!!! As chaves do Reino foram dadas à Igreja e nossa atuação política passa PRINCIPALMENTE pela pregação. Sim! evangelismo é UM ATO POLÍTICO! Na pregação a igreja trabalha com o Messias pelo Espírito Santo destituindo as raízes pecaminosas que ainda tem algum poder. No anúncio do evangélho estamos dizendo que JESUS É REI! O poder estatal, no entanto, continua nas mãos de homens comuns, fora da igreja. É uma outra esfera. À Igreja, portanto, cabe pregar o evangelho, discipular os convertidos, orar pelas nações e socorrer os mais fracos. Somente.
5) Nosso engajamento político individual deve ser derivado de nossa expectativa ESCATOLÓGICA. Escatologia, para quem não sabe, é a parte da doutrina cristã que fala sobre as coisas que irão acontecer no fim. Assim, quando a igreja faz sua missão de pregar, ela apressa os tempos em direção ao fim. Isso não significa que até lá a gente deva permanecer marginal aos sistemas políticos, com a cabeça apenas lá no fim. Não. Nossa esperança messiânica (da Volta do Messias) nos ilumina sobre o que fazer no presente tempo. Os valores daquele Reino que JÁ começou a se espalhar no mundo, por meio da pregação, podem também ser apresentados por nós aos nossos contemporâneos por outros meios. No entanto, assim como a pregação, nossa atuação política individual não pode ser imposição sobre os demais. Democracia, liberdade religiosa, são ideias que não existem no reino de Deus, mas no presente tempo precisamos fazer como o povo de Israel no exílio babilônico: torcer pelo bem da babilônia para que eles mesmos pudessem prosperar. A atuação politica dos crentes individualmente passa, portanto, pelo testemunho fiel. A vida e trabalho fiel dos crentes é um ofício profético. Aponta para o reino de Cristo! Eu como professor, acadêmico e cidadão tento fazer com que minha ação abençoe essa nação, direcionando seus olhos para o Reino de Deus, para onde caminho. Eu oro pelo Brasil, mas não por nacionalismo. Oro e trabalho pelo país por desejar o bem estar do povo e da Igreja que milita na pregação da palavra. Quando oro pelo Brasil, penso nesse país não como LAR, mas como o caminho que trilho em direção ao lar.

Assim, meus IRMÃOS, uma vez que nosso engajamento político deve se dar à luz de nossa condição de arautos da segunda vinda do Messias (pregação) e de peregrinos em rumo ao Lar eterno, NÃO FAZ SENTIDO se amoldar a ideologias cujos princípios não são baseados no reino do Messias. Obviamente que essas ideologias tem momentos de lucidez e acertam em várias coisas, mas são elas que estão esbarrando na graça que nos pertence. Nós não devemos ser tributários delas! Não precisamos da esquerda ou da direita para chegar à “verdade”. Reconhecemos a graça comum e o pouco de iluminação que esses movimentos tem, mas essa sabedoria sem o Messias, no fim, será vã!

A igreja, portanto, é a única agente de um reino diferente neste mundo! Movimentos de direita e de esquerda não passam de movimentos concorrentes buscando apontar soluções para problemas que CRISTO JÁ RESOLVEU! A igreja não busca essas soluções no escuro. Ela deve buscar respostas na luz da palavra. A igreja deve lutar duramente para viver sob essa luz. A igreja oscila as vezes, sim. Mas jamais irá se render! Este texto tem o objetivo de estimular a igreja a não se render e a buscar a essência de sua missão na Palavra e no Messiado (ministério) de Jesus.

Já temos rei, já temos constiuição e já temos pátria. Como brasileiros não devemos ser nada mais nada menos do que CIDADÃOS DO CÉU.

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Diego Montenegro

Esposo. Cristão Reformado. Mestre em Geografia e professor. Tentado a mostrar isso em palavras {1 Pedro 3:15}