𝐎 𝐋𝐈𝐕𝐑𝐎 𝐃𝐄 𝐎𝐑𝐀ÇÃ𝐎 𝐂𝐎𝐌𝐔𝐌 𝐂𝐎𝐑𝐑𝐈𝐆𝐈𝐃𝐎 𝐏𝐄𝐋𝐎𝐒 𝐓𝐄Ó𝐋𝐎𝐆𝐎𝐒 𝐃𝐄 𝐖𝐄𝐒𝐓𝐌𝐈𝐍𝐒𝐓𝐄𝐑 𝐄𝐌 𝟏𝟔𝟔𝟏 — Uma reflexão sobre tolerância e liberdade religiosa

Já temos mencionado que o que nos guiou para chegar até nossa configuração do Calendário Litúrgico foi um documento chamado “Livro de Oração Comum Corrigido pelos Divinos de Westminster”.

A verdade é que esse documento mais que orienta o nosso calendário. A tabela de leituras anuais também é estabelecida em conformidade com esse documento. Todas as coletas e orações que serão usadas aqui também foram retiradas e traduzidas desse documento.

Mas o que é esse documento? Antes disso gostaríamos de esclarecer o que é um Livro de Oração Comum (LOC) em si. O LOC é um livro que contem forma de liturgias para os cultos, assim como orações, textos, ordens litúrgicas para diversas ocasiões desde a Ceia do Senhor até o enterro de mortos.

Certamente o LOC é mais associado aos cristãos Anglicanos, contudo eles não foram os únicos a usar esse tipo manual litúrgico. Os Luteranos tem sua forma litúrgica. Calvino elaborou uma liturgia para a sua igreja em Genebra e, com base nele, John Knox, pai do presbiterianismo, elaborou o Livro de Ordem comum, uma variação próxima do LOC aplicada na igreja presbiteriana escocesa. O próprio LOC inglês foi usado em algumas igrejas presbiterianas em meados do século XVII antes da ruptura definitiva entre protestantes escoceses e ingleses e dos diversos conflitos políticos em que esses lados se envolveram.

Como fruto desses conflitos o Reino Unido não estava tão unido assim, os Episcopais com os 39 artigos de Fé desejavam que o Livro de Oração Comum fosse a forma padrão de Adoração Pública e isso de forma impositiva, à força. Os Puritanos escoceses e ingleses, por outro lado, criaram o Diretório de Culto Público de Westminster com preceitos mais básicos para o culto e também pediam a sua imposição forçada seguida da proibição do LOC.

Em meio a essa confusão houve 𝐮𝐦𝐚 𝐭𝐞𝐧𝐭𝐚𝐭𝐢𝐯𝐚 𝐝𝐞 𝐦𝐞𝐝𝐢𝐚çã𝐨 entre os dois lados, a fim de buscar a unidade da Igreja. Dentre os mediadores estava Richard Baxter que na comissão Real de 1661 em Westminster, afirmou ao Rei que se alguma forma de liturgia fosse imposta forçadamente

“𝒔𝒆𝒈𝒖𝒊𝒓ã𝒐 𝒊𝒏𝒆𝒗𝒊𝒕𝒂𝒗𝒆𝒍𝒎𝒆𝒏𝒕𝒆 𝒕𝒓𝒊𝒔𝒕𝒆𝒔 𝒅𝒊𝒗𝒊𝒔õ𝒆𝒔 𝒆 𝒐 𝒂𝒍𝒂𝒓𝒈𝒂𝒎𝒆𝒏𝒕𝒐 𝒅𝒂𝒔 𝒃𝒓𝒆𝒄𝒉𝒂𝒔 𝒒𝒖𝒆 𝒔𝒖𝒂 𝑴𝒂𝒋𝒆𝒔𝒕𝒂𝒅𝒆 𝒆𝒔𝒕á 𝒂𝒈𝒐𝒓𝒂 𝒕𝒆𝒏𝒕𝒂𝒏𝒅𝒐 𝒇𝒆𝒄𝒉𝒂𝒓”.

Apesar dos impasses entre os apoiadores do Diretório de Culto e do Livro de Oração Comum, Baxter e os demais revisores entendiam ser possível equilibrar

“𝒂 𝒍𝒊𝒃𝒆𝒓𝒅𝒂𝒅𝒆 𝒆 𝒂 𝒆𝒔𝒑𝒊𝒓𝒊𝒕𝒖𝒂𝒍𝒊𝒅𝒂𝒅𝒆 𝒅𝒐 𝒑𝒓𝒊𝒎𝒆𝒊𝒓𝒐, 𝒄𝒐𝒎 𝒂 𝒐𝒓𝒅𝒆𝒎 𝒆 𝒐 𝒅𝒆𝒄𝒐𝒓𝒐 𝒅𝒐 ú𝒍𝒕𝒊𝒎𝒐, 𝒆, 𝒂𝒔𝒔𝒊𝒎, 𝒂𝒔𝒔𝒆𝒈𝒖𝒓𝒂𝒏𝒅𝒐 𝒔𝒖𝒂𝒔 𝒓𝒆𝒔𝒑𝒆𝒄𝒕𝒊𝒗𝒂𝒔 𝒗𝒂𝒏𝒕𝒂𝒈𝒆𝒏𝒔, 𝒂𝒍é𝒎 𝒅𝒆 𝒕𝒂𝒎𝒃é𝒎 𝒇𝒖𝒈𝒊𝒓 𝒅𝒆 𝒔𝒆𝒖𝒔 𝒓𝒆𝒔𝒑𝒆𝒄𝒕𝒊𝒗𝒐𝒔 𝒑𝒆𝒓𝒊𝒈𝒐𝒔”.

A comissão Real de 1661 convocada pelo Rei Charles II portanto designou

“𝒖𝒎 𝒏ú𝒎𝒆𝒓𝒐 𝒊𝒈𝒖𝒂𝒍 𝒅𝒆 𝒅𝒊𝒗𝒊𝒏𝒐𝒔 𝒍𝒆𝒕𝒓𝒂𝒅𝒐𝒔, 𝒅𝒆 𝒂𝒎𝒃𝒂𝒔 𝒂𝒔 𝒑𝒆𝒓𝒔𝒖𝒂𝒔õ𝒆𝒔 [𝑫𝒊𝒓𝒆𝒕ó𝒓𝒊𝒐 𝒆 𝑳𝑶𝑪], 𝒑𝒂𝒓𝒂 𝒓𝒆𝒗𝒊𝒔𝒂𝒓 𝒐 𝒎𝒆𝒔𝒎𝒐 𝒆 𝒇𝒂𝒛𝒆𝒓 𝒂𝒔 𝒂𝒍𝒕𝒆𝒓𝒂çõ𝒆𝒔 𝒒𝒖𝒆 𝒋𝒖𝒍𝒈𝒂𝒓𝒆𝒎 𝒏𝒆𝒄𝒆𝒔𝒔á𝒓𝒊𝒂𝒔, 𝒆 𝒂𝒍𝒈𝒖𝒎𝒂𝒔 𝒇𝒐𝒓𝒎𝒂𝒔 𝒂𝒅𝒊𝒄𝒊𝒐𝒏𝒂𝒊𝒔 (𝒐 𝒎𝒂𝒊𝒔 𝒍𝒊𝒕𝒆𝒓𝒂𝒍 à𝒔 𝒆𝒔𝒄𝒓𝒊𝒕𝒖𝒓𝒂𝒔 𝒒𝒖𝒂𝒏𝒕𝒐 𝒑𝒐𝒔𝒔í𝒗𝒆𝒍) 𝒂𝒅𝒆𝒒𝒖𝒂𝒅𝒂𝒔 𝒑𝒂𝒓𝒂 𝒂𝒔 𝒗á𝒓𝒊𝒂𝒔 𝒑𝒂𝒓𝒕𝒆𝒔 𝒅𝒐 𝒄𝒖𝒍𝒕𝒐, 𝒅𝒆𝒊𝒙𝒂𝒏𝒅𝒐-𝒂𝒔 à 𝒆𝒔𝒄𝒐𝒍𝒉𝒂 𝒅𝒐 𝒎𝒊𝒏𝒊𝒔𝒕𝒓𝒐 𝒖𝒔𝒂𝒓 𝒖𝒎𝒂 𝒐𝒖 𝒐𝒖𝒕𝒓𝒂 𝒂 𝒔𝒆𝒖 𝒄𝒓𝒊𝒕é𝒓𝒊𝒐”.

Liberdade e Decoro em uma só forma de culto.

Ainda em 1661 uma comissão de vários presbíteros e teólogos de Westminster, muitos dos quais participaram da elaboração do Diretório de Culto Público, revisou o LOC inglês e elaborou uma versão corrigida do mesmo, a fim de livrá-lo da “𝒊𝒈𝒏𝒐𝒓â𝒏𝒄𝒊𝒂 𝒆 𝒔𝒖𝒑𝒆𝒓𝒔𝒕𝒊çõ𝒆𝒔 𝒑𝒂𝒑𝒊𝒔𝒕𝒂𝒔”. A obra foi concluída a tempo de ser apresentada na Conferência de Savoy, e afirmava em seu prefácio que não tinha a intenção de “depravar ou censurar o Livro de Oração Comum”, mas “𝙘𝙤𝙣𝙩𝙧𝙞𝙗𝙪𝙞𝙧 𝙘𝙤𝙢 𝙣𝙤𝙨𝙨𝙤𝙨 𝙚𝙨𝙛𝙤𝙧ç𝙤𝙨 𝙥𝙖𝙧𝙖 𝙘𝙪𝙧𝙖𝙧 𝙖𝙨 𝙥𝙚𝙧𝙩𝙪𝙧𝙗𝙖çõ𝙚𝙨, 𝙚, 𝙖𝙨𝙨𝙞𝙢 𝙦𝙪𝙚 𝙥𝙤𝙨𝙨í𝙫𝙚𝙡, 𝙧𝙚𝙘𝙤𝙣𝙘𝙞𝙡𝙞𝙖𝙧 𝙖𝙨 𝙢𝙚𝙣𝙩𝙚𝙨 𝙙𝙤𝙨 𝙞𝙧𝙢ã𝙤𝙨”.

Infelizmente os esforços de Baxter e de seus colegas em Westminster não surtiram efeitos. O Livro de Oração Comum corrigido não foi aceito na conferência de Savoy e a igreja partiu-se ainda mais, conforme já havia sido previsto. Os Anglicanos com o Livro de Oração comum tornaram-se os clérigos oficiais da Inglaterra. Os Presbiterianos com o seu diretório perderam direitos e liberdades na Inglaterra e restringiram-se à Escócia e outras regiões.

O fato é que o extremismo político e religioso foi o que levou a igreja protestante a se partir em vários fragmentos no “Reino Unido” do século XVII. Homens como Baxter são necessários ainda hoje e ao, de alguma forma, resgatarmos a memória de seus esforços e ao recuperarmos o documento que é fruto desses esforços, possibilitamos um olhar mais completo sobre o que é de fato o “presbiterianismo”.

Os presbiterianos de matriz puritana prosperaram na América e algumas regiões europeias ao ponto de que o próprio presbiterianismo é confundido com o puritanismo e com o culto conforme o Diretório. Contudo, fazemos questão de lembrar que o Presbiterianismo é muito maior que o puritanismo, de forma que não faltam exemplos de presbiterianos em favor de um culto mais litúrgico.

Em 1867 Charles Shields, um presbiteriano americano recuperou o LOC 1661 de Westminster com ajuda de revisores conceituados da Igreja Presbiteriana Americana. Reeditou, complementou e fez importantes análises sobre esse importante documento histórico. O LOC 1661 foi publicado e inclusive utilizado (por tempo incerto) em algumas congregações da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos.

Por isso, reafirmamos com confiança que o Livro de Oração Comum Corrigido pelos teólogos de Westminster trata-se de fato de um documento reformado e presbiteriano e recomendamos que esse documento seja ainda mais revisitado e recuperado, como forma de enriquecer o presbiterianismo brasileiro dando maior visão sobre a riqueza do que é a Igreja Presbiteriana em uma escala maior.